Tudo (ou quase) sobre o café

Hoje quero falar duma bebida controversa: o café. 


E não o vou fazer desde uma perspetiva apenas nutricional ou de saúde. Vou te propor viajar comigo pela história, economia, botânica, e numa perspetiva científica, energética, social e cultural. Porque somos feitas de todas estas dimensões e porque não consigo, por muito que me esforce, resumir a complexidade das coisas a um post com 5 dicas. Se me quiseres acompanhar nesta digressão, vamos lá. Se calhar a leitura te vai levar algum tempo mais que o de um café. Mas vais ficar muuuuuito mais informada! 


Para começar, tenho que fazer uma declaração de conflitos de interesses: sou italiana. O cheiro do café que pairava no ar todas as manhãs na minha casa de infância, é uma das minhas memórias celulares mais profundas. Por outro lado, tenho um equipamento enzimático muito marado devido a variantes genéticas, o que faz que eu tenha uma sensibilidade exacerbada à cafeina. Não me posso permitir mais do que um café por dia, e não posso tomar chá preto ou verde ou chocolate nem nada que os contenha a partir do meio-dia, porque se o fizer, passo a noite a dar voltas na cama. 

Mas adoro café. É o meu ritual matinal, é um momento quase meditativo. Obviamente preparo em casa, com uma máquina moka Bialetti, e com café 100% arábica, metade com cafeína, metade descafeinado. Vou ter que voltar sobre estes pormenores para explicar muitas coisas que são do teu interesse, mas este momento em que preparo o café enquanto vou bebendo muita água, e depois saboreio a minha chávena de café amargo com um pingo de bebida de soja a contemplar o sol que nasce do outro lado do Tejo, esse momento é de prazer absoluto.

A minha vista de madrugada. Juro.

No meu percurso e contacto frequente com a macrobiótica, encontrei e encontro muitas críticas ao consumo de café, e já passei fases da minha vida em que deixei de o tomar, nomeadamente durante os dois períodos de amamentação dos meus filhos, o que se traduz em cerca de 3 anos e meio ao todo. Esta paragem foi necessária para evitar espevitar ulteriormente os bebés, e foi uma faca de dois gumes porque se por um lado eles ficavam mais tranquilos (RELATIVAMENTE tranquilos!) por outro lado eu andava (ainda mais) de rastos.  


Entendo que numa abordagem energética o café seja extremamente Yin, e excessivamente estimulante. E nós, como sociedade, não precisamos de estimulação, precisamos de contemplação, de calma, de introspeção, e sobretudo de mais descanso para não termos que nos arrastar exaustas pela vida, movidas a cafeina. 


Por outro lado, há muita investigação científica sobre alguns benefícios de saúde num consumo sensato de café, e desta parte te falarei mais em baixo.


A minha escolha pessoal, neste momento é tomar as medidas necessárias para usufruir dos benefícios e minimizar os efeitos negativos, e ter este pequeno momento diário de auto-indulgência. No fundo, tenho uma natureza “viciosa” e como não bebo, não fumo, e me alimento da forma mais equilibrada possível, decido conscientemente me entregar a esta mini-dependência da droga legal mais consumida no mundo. Sim, dependência, porque noto os efeitos da privação quando tenho que me abster de tomar café (geralmente é porque acabou em casa, e eu recuso-me a tomar aquela “coisa” estorricada que se serve nas pastelarias em Portugal com o nome de “café”. Sim, ser italiana implica uma boa dose de esnobismo no que toca ao café! Mas é um esnobismo justificado, como veremos).

Uma das outras críticas que o mundo da macrobiótica faz ao café, é a sua origem tropical, e portanto o seu ser inadequado ao consumo na nossa faixa climática. Este tipo de argumentos deixa-me sempre um pouco perplexa. Em primeiro lugar o café não é de origem tropical. Em segundo lugar, a globalização alimentar começou no Neolítico. A consequência é que quase nenhuma das que consideramos especies vegetais nativas, é realmente nativa. Para aprofundar esta questão, aconselho-te uma leitura muito interessante: Uma História Saborosa do Mundo, de Kenneth Kiple. O subtítulo é: Dez Milénios de Globalização Alimentar. E isso já diz muito. Para dar uma idéia, o grão de bico é originário do Oriente e foi propagado ao Mediterrâneo via Egipto.

Em terreno contemporâneo, muitas vezes vejo até nas lojas mais “virtuosas”, leguminosas, cereais ou frutos secos, biológicos, ao granel, que são importados doutros países, inclusive da Ásia. A importação é um problema, sim, e certamente não toca apenas o café. Em qualquer caso, o impacto ambiental da criação de gado é muito maior que o da importação. No caso de determinados produtos como cacau e café, é verdade também que podemos e devemos ter em conta se vem de contextos que possam usar trabalho infantil ou escravo, e qual é o impacto social e ambiental para as comunidades locais. Eu tendo a considerá-los como produtos de luxo, e prefiro pagar mais para os comprar do comércio justo e biológicos.

Outros autores interessantes são Micheal Pollan, Stephen Harris, e Patrick McGovern. Estes autores publicaram trabalhos fascinantes sobre o impacto de certas plantas na História da Humanidade. Plantas que geraram guerras, crises económicas, literatura, migrações, revoluções políticas, científicas e sociais: entre outras, o ópio, o cânhamo, as tulipas, a cevada,  o chá, a videira, o tabaco, o cacau, a cana de açúcar, o algodão…e sem dúvida, o café. 

Em terceiro lugar, os sucedâneos de café à base de cereais ou chicória que algumas correntes alternativas propõem, não são mais saudáveis, antes pelo contrário, e falarei disso mais em baixo. 

Mas vamos fazer um passo atrás na História: o café é oriundo das montanhas da Etiopia e Yemen, e segundo a lenda, foi um pastor etíope que cerca de 850 a.C. observou que as cabras ficavam agitadas após mordiscar os bagos dos cafeeiros, e os humanos começaram provavelmente a imitar as cabras comendo os bagos e sucessivamente transformando-os em bebida. Mais tarde, no mundo islâmico o café conheceu um sucesso entusiástico provavelmente devido à proibição do álcool no Alcorão, e na possibilidade de socialização à volta de uma bebida à imagem do álcool noutras partes do mundo. 

Quem tropicalizou o café foram os holandeses (no século XVII), que levaram a planta para o Suriname e Caraíbas, e daí se espalhou a Cuba, Brasil, Santo Domingo, etc. 

No Ocidente, Veneza foi a primeira cidade a ter contacto com o café e a abrir as portas do primeiro café (no sentido de estabelecimento de consumo) em meados do século XVI. Mas segundo a lenda, a introdução maciça do café na Europa aconteceu em 1683, no rescaldo do falido cerco dos turcos otomanos à cidade de Viena, quando os austríacos descobriram os sacos de café abandonados pelos turcos em fuga.


O impacto da introdução do café na Europa durante o século XVII foi particularmente evidente, uma vez que as bebidas mais comuns da época, mesmo ao pequeno-almoço, eram a cerveja e o vinho. Ambas eram muito mais seguras do que a água, que estava frequentemente contaminada. O café constituía uma nova e segura alternativa às bebidas alcoólicas. Aqueles que bebiam café em vez de álcool começavam o dia alerta e excitados, em vez de relaxados e ligeiramente embriagados. Os primeiros cafés literários começaram as substituir as tabernas. Em vez de ruidosos homens bêbados, os cafés  atraiam os intelectuais para discutir assuntos políticos e filosóficos, e inclusive as mulheres (ricas) começaram a ter acesso a este tipo de lugares de debate. De facto, um século mais tarde, foi num café de Paris que se planeou a tomada da Bastilha em 1789.

O célebre café Florian en Veneza.

O resultado foi a revolução industrial e científica, e tudo o que adveio em consequência.

Aliás, eu acredito que o café é a bebida-símbolo do Antropoceno. 

Antropoceno é o termo usado para descrever o período mais recente na história do Planeta, mais condicionado pela Humanidade. Não há consenso sobre quando começaria o Antropoceno, mas alguns autores apontam para o início da Revolução Industrial.


O café gera aquela atitude mental aguda, focada, hiperativa, lúcida. O café é um momento também de socialização. “Vamos tomar um café um deste dias”, é o que dizemos a alguém com quem queremos conversar, não é?

Mas a exacerbação desta atitude focada leva-nos à exaustão, ao delírio de omnipotência, e alimenta a alucinação coletiva de que temos que estar em crescimento constante. 

Citando o economista e poeta inglês Kenneth Boulding: “Quem acredita que o crescimento exponencial pode continuar indefinidamente num mundo finito ou é um louco ou um economista”. Ou, digo eu, talvez simplesmente esteja a tomar demasiado café?

O Antropoceno não é só movido a cafeina, mas também a cocaina. Café no balcão, cocaina na casa de banho dos estabelecimentos. Duas substâncias parecidas, que encorajam o “que se lixe”, o fim que justifica os meios, a especulação económica, a atitude predatória em relação à Natureza, vista como “recurso”, e o delírio da racionalidade que se torna irracional e paroxística. A cocaína é a exacerbação da cafeína, a sua versão ilegal, cara, violenta e extrema. A cafeína é o humilde e popular combustível diário dos nossos esforços, do nosso trabalho a puxar energia da supra-renal, à custa do descanso.

Mas então, os benefícios para a saúde dos quais falava há um bocado? E os cuidados a ter para minimizar efeitos nocivos?

Bem, antes de falar dos efeitos sobre a saúde, temos que fazer uma premissa botânica, porque as duas variedades principais têm efeitos diferentes na saúde.

A nível mundial, a planta do café é cultivada principalmente em duas especies: Coffea arabica e Coffea robusta.

O café que procede da C. arábica é o café “original”, oriundo da Etiópia. É um arbusto de folha perene, que demora quatro anos até dar os seus bagos altamente aromáticos. Precisa de maiores cuidados no cultivo, e precisa de altitude, portanto montanha ou colina.

O café da variedade robusta foi descoberto em estado selvagem no Congo nos anos 50. Como os arbustos da robusta amadurecem em apenas um ano, este café de qualidade nitidamente inferior relativamente ao arábica, ganhou imediatamente uma enorme popularidade e constitui agora a base do café instantâneo e é usado em lotes mais baratos. Infelizmente, o robusta é a base do café comercializado em Portugal. Os produtores que comercializam café arábica, destacam esta palavra muito bem na embalagem. Quando na etiqueta não há nada escrito sobre a variedade usada, é porque se trata de robusta. Até agora, só consigo encontrar café arábica nas lojas de produtos naturais tipo Celeiro, enquanto que em Itália a maioria dos cafés comercializados nos supermercados é 100% ou uma boa percentagem arábica.

Aguardo ser surpreendida por alguma marca portuguesa! 

Para além do sabor francamente horrendo e da qualidade inferior, a robusta tem outras desvantagens:

-o seu conteúdo em cafeina: quase o dobro que o arábica.

-o seu conteúdo em acrilamida, muito maior que no arábica (mais sobre isso em baixo).

-a sua maior acidez, que se manifesta sobretudo a nível de estômago (com consequente ardor e azia).


Mas na escolha do tipo de café temos muito mais a dizer, porque temos que falar do processo de torrefação e da modalidade de preparação do café. 


Não me vou estender sobre a praga das cápsulas. Aliás, até vou. Tudo começou com uma infame multinacional de origem suíça que usa trabalho escravo infantil, polui desenfreadamente e faz campanhas de desinformação com as mães de países desfavorecidos para promover leite artificial causando a morte de milhares de bebés por falta de saneamento das águas para o preparar. Entre muitas outras proezas, um dia esta companhia decidiu alterar o processo de preparação do café para algo que polui muito mais, com aparelhos e cápsulas que não faziam falta nenhuma. A partir de aí, muitas outras marcas a imitaram, et voilà! …“Ai e tal, mas é tão bom!”, “Mas é tão prático!”. A sério? Um excelente café, saudável, com uma máquina que dura uma eternidade e meia e não ocupa espaço na bancada, não produz tantos resíduos, e faz um barulhinho celestial em vez daquela especie de martelo pneumático. Isso é o que te quero ensinar a fazer. Deixa aquela treta para os americanos.

Larga aquela treta das cápsulas, pá!

Desculpa, deixei-me levar. Dizia, torrefação. A torrefação é importante, e as definições relativas nas embalagens induzem em erro. Quando lemos na embalagem dum café as palavras “suave” “médio” ou “forte/intenso”, estas palavras não se referem ao conteúdo em cafeina ou ao sabor, mas ao tempo e temperatura de torrefação. Quanto mais “suave”, menos tostado é o café, e isso não é boa ideia. O melhor é mesmo o café forte ou intenso, porque a acidez é mais baixa, pelo conforto do nosso estômago, e porque o conteúdo de acrilamida é nitidamente inferior. 


Acrilamida? O que é isso?


A acrilamida é uma substância cancerígena que se forma nos cereais, batatas e café a uma temperatura superior a 120 graus.

Actua como disruptor endócrino, e está associada a cancros relacionados com hormonas, tais como o cancro do ovário, endometrial e da mama. Também aumenta a incidência do cancro do rim. E afecta negativamente o desenvolvimento fetal. Vou ter que escrever outro artigo sobre este assunto e como reduzí-la ou eliminá-la de cereais e batatas. No caso do café, é simples: a torrefação mais prolongada a a temperaturas mais altas conseguem eliminar a acrilamida. Paradoxal, mas verdade.

A eliminação não é total, mas podemos seguir mais passos sucessivos para a reduzir ainda mais:


-evitar o café solúvel, porque segue um processo diferente que preserva a acrilamida. Se gostas de café estilo americano, usa café para moka, na máquina com filtro que serve para isso.

-como vimos, escolher a variedade arábica, que contém muito menos acrilamida que a robusta.

-girar com uma colher de chá o café acabado de servir na chávena, como se estivesses a derreter o açúcar (COMO SE, OK??), porque a acrilamida é volátil e evapora rapidamente.


Ora, se ao tostar o café consegue-se eliminar a acrilamida, o mesmo não acontece com os cereais ou a chicória. A consequência é um conteúdo de acrilamida muito superior nos sucedâneos do café à base de cevada, chicória ou outros cereais.


Ok, e agora, finalmente podemos falar de café e saúde!


Obviamente a literatura científica está repleta de trabalhos dedicados ao café e à cafeina. Se fores ao google, vais-te perder nos milhões de opiniões pessoais, e com o devido respeito pelas opiniões pessoais, as que mais me irritam são aquelas recheadas de locuções vazias como “estudos indicam que…” sem qualquer referência bibliográfica, ou com dois ou três artigos dos anos 90 escolhidos ao dedo para fundamentar a opinião.


Portanto, se gostas de aprofundar as coisas, poderás faze-lo nas referências que te coloco no fim do artigo, e em muitas outras, obviamente. O que vou tentar fazer aqui é um resumo sintético, dividido por áreas, dos efeitos do café e da cafeina:

Numa revisão sobre o café publicada em 2020 pelo New England Journal of Medicine, lemos o seguinte:


“Uma questão chave na investigação sobre cafeína e café é que o café contém centenas de outros fitoquímicos biologicamente activos (…) e quantidades modestas de magnésio, potássio e vitamina B3 (niacina). Estes compostos de café podem reduzir o stress oxidativo, melhorar o microbioma intestinal, e modular a glicose e o metabolismo das gorduras. Em contrapartida, o diterpeno cafestol, presente no café não filtrado, aumenta os níveis de colesterol no soro”.


Café não filtrado= café solúvel. Estás a ver?


Mais à frente, no mesmo artigo:

“tanto o consumo de café cafeinado como o descafeinado reduzem a resistência à insulina hepática induzida pela frutose excessiva”. Não se refere obviamente à frutose da fruta, mas à frutose presente em muitos adoçantes naturais.

“Além disso, em estudos de coorte, o consumo habitual de café tem sido consistentemente associado a uma redução do risco de diabetes tipo 2”.


Em relação  ao cancro:


“O consumo de café está associado a uma redução do risco de melanoma, cancro da mama, cancro da próstata, cancro endometrial e carcinoma hepatocelular (…)”


E o fígado?


“O café também tem sido sistematicamente associado com outros aspectos da saúde do fígado, incluindo níveis mais baixos de enzimas que reflectem danos no fígado e um menor risco de fibrose hepática e cirrose hepática”.

“O consumo de café tem sido associado a uma redução do risco de cálculos biliares e de cancro da vesícula biliar”.


Nada mal, né? 


E que tal o efeito do café na parte neurológica?


“Estudos de coorte prospectivos nos Estados Unidos, Europa, e a Ásia mostraram uma forte associação inversa entre a ingestão de cafeína e o risco da doença de Parkinson”. 

Ou seja, a maior consumo de cafeina, menor risco de Parkinson.  

Desta vez o efeito protetor parece mesmo vir da cafeina e não doutros compostos do café porque “o consumo de café descafeinado não está associado à redução do risco de Parknson, sugerindo que a cafeína, em vez de outros componentes do café, seja responsável pela  associação inversa".


Vamos ver a parte cardiovascular. 


Foram apresentados dois estudos na American College of Cardiology em 2022 , em que foi usada uma base de dados prospectiva em grande escala com informações de saúde de mais de meio milhão de pessoas que foram seguidas durante pelo menos 10 anos. Os investigadores analisaram diferentes níveis de consumo de café, desde até uma chávena a mais de seis chávenas por dia e a relação com arritmias, doenças cardiovasculares, incluindo doença arterial coronária, insuficiência cardíaca e AVC, e mortes totais e relacionadas com o coração entre pessoas com e sem doença cardiovascular.

Resumo dos estudos publicados pela American College of Cardiology em 2022 Fonte: Medscape

Beber duas a três chávenas de café por dia resultou associado ao maior benefício, traduzindo-se num risco 10%-15% mais baixo de desenvolver doença coronária, insuficiência cardíaca, arritmias, ou morrer por qualquer razão. O risco de AVC ou morte cardiovascular era mais baixo entre as pessoas que bebiam uma chávena de café por dia. O benefício máximo foi visto entre as pessoas que bebiam duas a três chávenas de café por dia com menos benefício visto entre aqueles que bebiam mais ou menos.


Em indivíduos que tinham alguma forma de doença cardiovascular na linha de base, os investigadores descobriram que a ingestão de café (sempre 2 ou 3 chávenas por dia) estava associada a menores probabilidades de morrer comparado com a ausência de café. Além disso, o consumo de qualquer quantidade de café não estava associada a um maior risco de arritmias. Das 24.111 pessoas incluídas na análise que tinham uma arritmia na linha de base, beber café estava associado a um menor risco de morte e as pessoas com fibrilação atrial que bebiam uma chávena de café por dia tinham quase 20% menos probabilidades de morrer do que os que não bebiam café.


Há limitações nestes estudos, uma vez que não foram controlados os factores alimentares que podem desempenhar um papel nas doenças cardiovasculares, nem foi avaliado o uso de leite ou açúcar consumidos no café.


A nível de aparelho urinário?


O café é diurético. Não há risco de desidratação, aliás, podemos usar este efeito a nosso favor. Por isso te falava de beber muita água durante a preparação do café, para favorecer uma primeira limpeza logo de manhã.


É verdade que o café causa baixa densidade óssea ou osteoporose?


Vamos lá ver. O metabolismo do osso depende de toda uma série de fatores. A cafeina, e os taninos do café (e do chá, chocolate e vinho), especialmente se tomados em cima duma refeição, podem inibir a absorção do cálcio. 

Portanto não é uma boa ideia tomar café a seguir ao almoço ( e muito menos ao jantar!).

Idealmente devemos deixar um intervalo de 2 horas. 

Dito isto, não há consenso científico sobre o impacto do café e cafeina na saúde óssea.

Outros fatores importantes são o status a nível de vitamina D, magnésio, fósforo, sódio (demasiado sal também empobrece o osso), e níveis de atividade física em carga.


E que efeito tem o café sobre a absorção do ferro?


Os taninos do café (e do chá, chocolate e vinho) também inibem a absorção de ferro. Mesma coisa que para o cálcio: evitar a toma junto com a refeição se houver baixas reservas deste mineral.


Efeitos sobre sono e ansiedade


Voltando ao New England Journal of Medicine, (mas na verdade ninguém precisa de ir buscar grandes evidencias científicas sobre isto) “o consumo de cafeina ao fim do dia pode aumentar a latência do sono e reduzir a sua qualidade”.

“Além disso, a cafeína pode induzir ansiedade, particularmente em doses elevadas e em pessoas sensíveis, incluindo as com ansiedade ou distúrbios bipolares”.

Eu, que não preciso de mais ansiedade e insónias mas não quero abdicar do meu ritual matinal, opto por preparar a cafeteira com 50% de café normal e 50% de descafeinado.

É importante que o descafeinado seja obtido com métodos de evaporação e não com solventes químicos. De novo, as lojas Celeiro safam-me. 


No entanto, a cafeina pode ter efeitos muitos diferentes de uma pessoa a outra.


Há quem fique com sono ao tomar café. Há quem não note diferença alguma. Há quem, como eu, seja hipersensível à cafeina. Estas diferenças dependem das variações genéticas a nível de receptores e enzimas. E claramente devem ser tomadas em consideração! Em vez de olharmos para as guidelines que nos dizem para não ultrapassar os 400 mg de cafeina diários, temos que olhar para nós próprias para saber quanto café nos podemos permitir, e actuar em conformidade. 

Na verdade, espanta-me a quantidade de mulheres que na consulta referem dormir mal e tomam café ou chá à vontade ao longo do dia. Entendo que é um círculo vicioso: a insónia nos deixa cansadas, e por isso procuramos a cafeina. Mas este círculo vicioso tem que ser quebrado.

Temos que aprender a fazer uma pausa para respirar, apanhar um pouco de ar fresco, caminhar ou mover o corpo em caso de “moca”.


Por falar em moca. Temos que falar da…MOKA!

 A Moka é uma invenção italiana, do industrial Alfonso Bialetti em 1933. O nome refere-se à cidade de Moka, no Yémen, famosa pela qualidade do seu café.

Como preparar o café com uma cafeteira moka


Enche o tanque com água de preferência quente até à válvula, insere o filtro metálico e enche-o completamente com o café (possivelmente 100% arábica, torrefação forte/intensa) mas sem o pressionar. Deixa a cafeteira com a tampa aberta e e liga o fogão, em lume baixo. Quando o café começar a sair e a espalhar o seu mágico aroma, fecha a tampa e levanta o lume até sair completamente. Desliga, deixa descansar por alguns momentos, e mexe o café antes de o beber.

Precauções a ter com a moka

Se é a primeira vez que te lanças a comprar uma moka, deita fora o primeiro café que fizeres.

Depois de tomares o segundo, é importantíssimo que saibas o que NÃO fazer com a cafeteira após o seu uso: NÃO A LAVES COM DETERGENTE, E MUITO MENOS NA MÁQUINA DE LAVAR LOIÇA. 


Se tens uma cafeteira deste tipo e já a lavaste desta forma, deita-a fora e compra outra. 

Explico-te o motivo:

estas cafeteiras, a não ser que compres os modelos em aço, são de alumínio.

Com a moka, a temperatura está abaixo do ponto de ebulição (cerca de 90 °C), e o tempo de contacto entre a água e o pó de café é de cerca de um minuto. Nestas condições, é possível que as partículas de alumínio acabem no café?

A resposta é não. O Instituto Federal Alemão de Avaliação de Riscos (BfR) realizou estudos específicos. De acordo com as suas avaliações, as cafeteiras em alumínio formam uma camada protectora quando utilizadas pela primeira vez, que reduz drasticamente a transferência de alumínio. Contudo, se forem lavadas na máquina de lavar louça, esta camada poderia ser removida, levando a uma maior libertação de alumínio na utilização subsequente. O mesmo problema surge quando se utilizam palhinhas de ferro ou esponjas abrasivas.


Portanto, já sabes: lava apenas com água e guarda-a aberta, que é para não se formar bolor no tanque. Se preferires podes optar por um modelo em aço. Eu tentei vários modelos em aço mas nenhum tem a qualidade da Bialetti em alumínio no que toca à “performance” no fogão. 

O alumínio permite que a água chegue à temperatura mais rapidamente, resultando num café mais encorpado. E não sei porque, mas a Bialetti não produz a sua famosa cafeteira octogonal em aço, mas apenas em alumínio, e eu gosto dessa.


Uma última serie de precauções com a moka, muito importantes: lembro-me de pelo menos um par de acidentes de amigos meus com cafeteiras em que só não houve mortos porque tinham saído da cozinha.


-Nunca te esqueças de colocar água no tanque. Senão pode queimar ou explodir. Como aconteceu a um amigo meu que deixou imprudentemente o seu co-inquilino, estudante Erasmus alemão, sozinho na cozinha a fazer café. Ficaram com um buraco no tecto!

-O nível da água deve ser imediatamente abaixo da válvula. Para além do facto de que se ficar por cima sai um café é bastante aguado, mas ainda existe o risco de a válvula se encher de calcário que a obstrui. Uma válvula obstruída pode provocar uma explosão. Também já vi cozinhas semi-destruidas por esta situação.

-Assegura-te que a junta (um aro de borracha) da moka esteja intacta. O estado da junta deve ser sempre verificado e, se estiver gasta, deve ser substituída imediatamente.

-Ao encher o filtro de café, enche completamente mas sem prensar. A probabilidade de uma explosão por esta causa é baixa, mas não corras riscos. Além disso, o café feito assim sabe a queimado.

Pronto, deixo-te aqui com um retrato de família das minhas amadas Mokas. A elétrica segue-me fielmente em todas as viagens. A bebé é para quando só quero um cheirinho. As embalagens do café são recicladas, mas por acaso essas duas marcas, que aqui só encontras no gourmet do Corte Inglês, são mesmo muito boas. No entanto, prefiro comprar o café biológico.

Le mie bambine

Sei que terás perguntas. Contata-me à vontade!

Aqui tens a bibliografia

 1. van Dam RM, Hu FB, Willett WC. Coffee, Caffeine, and Health. N Engl J Med [Internet]. 2020 Jul 22;383(4):369–78. Available from: https://doi.org/10.1056/NEJMra1816604

2. David C, Rodrigo C, Louise S, Hariharan S, Aleksandr V, Sandeep P, et al. EFFECTS OF HABITUAL COFFEE CONSUMPTION ON INCIDENT CARDIOVASCULAR DISEASE, ARRHYTHMIA, AND MORTALITY: FINDINGS FROM UK BIOBANK. J Am Coll Cardiol [Internet]. 2022 Mar 8;79(9_Supplement):1455. Available from: https://doi.org/10.1016/S0735-1097(22)02446-9

3.  M. KP, David C, Rodrigo C, M. KD, B. MJ, Geoffrey L, et al. REGULAR COFFEE INTAKE IS ASSOCIATED WITH IMPROVED MORTALITY IN PREVALENT CARDIOVASCULAR DISEASE. J Am Coll Cardiol [Internet]. 2022 Mar 8;79(9_Supplement):1490. Available from: https://doi.org/10.1016/S0735-1097(22)02481-0

4. Berman NK, Honig S, Cronstein BN, Pillinger MH. The effects of caffeine on bone mineral density and fracture risk. Osteoporos Int. 2022;33(6):1235-1241. doi:10.1007/s00198-021-05972-w

5.  Stahl T, Falk S, Rohrbeck A, Georgii S, Herzog C, Wiegand A, Hotz S, Boschek B, Zorn H, Brunn H. Migration of aluminum from food contact materials to food-a health risk for consumers? Part II of III: migration of aluminum from drinking bottles and moka pots made of aluminum to beverages. Environ Sci Eur. 2017;29(1):18. doi: 10.1186/s12302-017-0118-9. Epub 2017 Apr 12. PMID: 28458988; PMCID: PMC5388725.


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