Cabelo: a copa da nossa árvore

“Antonella, o que é que eu posso tomar para o meu cabelo?”.

Esta pergunta é tão frequente que não posso deixar de dedicar este artigo ao assunto. 

Como escrevi na Newsletter, Eu sei que estou sempre despenteada, e que estou em transição para o branco há anos, com o resultado de ter um aspecto desleixado. Mas das raríssimas vezes que vou ao cabeleireiro (a última vez foi antes da pandemia, creio que em 2018) recebo sempre elogios sobre a qualidade do meu cabelo.

Ora, aqui não vou certamente falar de doenças ou situaçoes patológicas concretas que podem levar à queda de cabelo. Por exemplo, no hipotiroidismo é importante cuidar da tiroide em primeiro lugar, ou qualquer outra medida não vai dar resultado. Também há tipos de alopecia que são altamente genéticos e tem pouca resposta aos cuidados naturais. 

Aqui vou-me referir aos cuidados capilares que podem fazer toda a diferença nas situaçoes fisiológicas comuns, em que não há uma causa médica evidente. E vou partilhar a minha experiencia pessoal. Em qualidade de mulher na transição para a menopausa, eu também andei um tempo a sentir uma diminuição preocupante no volume e qualidade do cabelo, e a sofrer uma queda que ia para além da normal perda outonal. 

Durante a perimenopausa pode haver uma certa predominância dos androgênicos (as hormonas “masculinas” que nós também temos, como a testosterona e afins) sobre os estrogénios, de uma forma talvez parecida ao que acontece na puberdade. Não é que aumente a produção de androgénios, mas é como se o prato da balança dos estrogénios pesasse menos, e é por isso que sentimos mais os androgénios. Além disto, como os ovários produzem menos estrogénios, são as supra-renais que se encarregam de compensar a produção hormonal, sintetizando em primeiro lugar a androstenediona (um tipo de androgénios) que funciona como precursor para as outras hormonas que escasseiam. O stress também estimula as supra-renais: stress da nossa vida de mulheres atarefadas, mais o stress fisiológico que a transição implica. Ora, tecidos como pele e couro cabeludo, abundam em receptores de androgénios e são portanto muito sensíveis aos seus efeitos. A nível de cabelo, o efeito da dihidrotestosterona (DHT) causa inflamação e inibe o crescimento e torna o cabelo mais fino e frágil. Além disto, o cabelo sofre porque o corpo está empenhado no processo da transição, que requer bastante energia. Este gasto de energia traduz-se num maior requerimento de nutrientes. Se este aumento de requerimentos não encontrar resposta, é claro que haverá uma administração cuidadosa dos recursos em favor de funções e sistemas vitais como o sistema nervoso e cardiovascular. Unhas, pele, cabelo, isso tudo é acessório e fica em segundo plano. A boa notícia é que podemos fazer algo a respeito. 

No pós-parto e amamentação é um processo parecido, mas sem tanto peso dos androgénios. É mais o stress hormonal fisiológico, mais as noites mal dormidas, mais os elevados requerimentos nutricionais por causa da amamentação. E tudo aquilo que bem sabe qualquer mulher que tenha passado por isso. Tudo se traduz em stress, que agrava a inflamação.

O cabelo é um pouco como a copa das árvores: a sua força e beleza vem das raízes, ou seja, dos nutrientes que as raízes podem captar. A alimentação portanto é fundamental, ou pelo menos o ponto de partida.

Que privilegiar do ponto de vista nutricional?

-Fitoestrogenios, presentes em todas as leguminosas (especialmente a soja, mas não  só), verduras de folha, germinados e sementes (especialmente linhaça e sésamo). Atenção: os fitoestrogénios não são hormonas e podem ajudar a regular os nossos níveis de estrogénios, não a aumentá-los de forma perigosa e disruptiva.

-Fitoquíicos antioxidantes, presentes em frutos vermelhos, hortaliças de cores laranja e vermelho, verduras de folha verde.

-Verduras de folha verde, amêndoas, sésamo, tofu, ricos em cálcio e magnésio

-Vitamina D, fundamental a suplementação em qualquer tipo de dieta. De facto, não é possível obter a nossa necessidade diária de vitamina D a partir dos alimentos, e o seu papel na saúde óssea, metabólica e mental está cada vez mais a emergir dos estudos. E claro, fundamental também na saúde dos anexos cutâneos como unhas e cabelo.



Já sabes que sou muito em favor de uma dieta 100% vegetal, mas se não for o teu caso, em qualquer caso é útil saber que sempre há benefícios em reduzir o consumo de carnes (vermelhas ou brancas: as toxinas ambientas acumuladas pelas aves não têm inveja nenhuma às do gado como vacas e porcos) e substitui-las por peixe (pequeno e de mar). Isto vai ajudar a reduzir a inflamação. 

Mesmo com consumo de peixe, ou dentro de uma dieta de base vegetal, uma dieta rica em ómega 3 é mais eficaz em reduzir qualquer desconforto da menopausa e do pós-parto. O tipo de ómega 3 presente nos alimentos vegetais tem vantagens independentes dos omega 3 presentes no peixe (e que podem ser também encontrados em fontes vegetais). Que alimentos vegetais são ricos em omega 3? Óleo de linhaça, sementes de linhaça moídas, sementes de chia, sementes de cânhamo e nozes. De facto, mesmo apenas duas colheres de chá de sementes de linhaça moídas por dia sozinhas podem diminuir significativamente os sintomas da menopausa na mesma medida que a terapia de reposição hormonal, mas sem os efeitos secundários. Da mesma forma os lignanos presentes nas sementes de linhaça moídas atuam sobre a conversão da testosterona em DHT, impedindo que o bulbo capilar se atrofie. Atenção, os lignanos não se encontram no óleo de linhaça mas sim nas sementes de linhaça moídas.

Sementes de linhaça: para uso interno devem ser moídas. Para uso externo, inteiras.

Além disto, os seguintes suplementos alimentares podem ajudar bastante. Há muitos mais que podem ser úteis muitos mais, eu aqui apenas ponho os meus favoritos:

-Um suplemento que contenha: 

Metilsulfonilmetano (MSM), algas vermelhas, vitamina C, zinco, cobre, lisina e prolina, à venda nas ervanárias como fórmula específica para pele, unhas e cabelo.

-Silica 200mg por dia em suplemento. Este mineral é presente também no chá de cavalinha e no millet (cereal em grão). É um mineral necessário para o tecido conjuntivo, vasos sanguíneos, pele, unhas e cabelo, e é pouco representado nos alimentos devido ao empobrecimento dos solos.

-Biotina, 2500mg por dia. Chamada “a vitamina da beleza”, ajuda a preservar o cabelo dos danos e queda. Suspender 48 horas antes, se por algum motivo tiveres que fazer análises do sangue: a biotina interfere com os reagentes usados nos laboratórios, falsando valores hormonais, colesterol, etc. É apenas uma reação com os reagentes, não interfere por si nestes valores.

-Selênio 100-150 mcg por dia. Em vez do suplemento, 2-3 nozes do Brasil por dia podem cobrir esta dosagem. Há autores que preferem ter a certeza da dosagem usando um suplemento, porque o conteúdo em selênio das nozes do Brasil varia conforme os terrenos de proveniência, o que não nos é dado saber. Pessoalmente, não acho dramático. Outras fontes incluem outros frutos secos e cogumelos.

-Vitamina D 2000UI por dia, salvo outra indicação médica (como em caso de deficiência ou insuficiência)

-Maca andina em pó, 1-2 colheres de chá por dia. Além de ser um concentrado de nutrientes, a maca destaca-se pelo seu conteúdo em beta-sitosterol, uma substancia capaz de contrastar a conversão da testosterona em DHT. Não apto na amamentação.

-Óleo de onagra em drageias 2000mg por dia: reduz a inflamação do folículo capilar. Não apto na amamentação. Há óleo de onagra à venda para uso direto na pele. Embora possa ter um efeito cosmético notável, desaconselho-te muito: cheira horrivelmente mal.


Falei de inflamação. Este fator é importante também a nível de cuidados capilares.

Há fases da vida em que o folículo capilar fica muito mais sensível, facilmente inflamado, o que agrava imenso o fenómeno da queda. O uso de produtos químicos irritantes (shampoos, produtos de coloração, etc.) pode piorar notavelmente a situação. Portanto escolher cuidadosamente produtos neutros e biológicos é muito importante. 

Mesmo usando este tipo de produtos, eu tinha cada vez mais queda, e optei por fazer um percurso que vou partilhar contigo. Testei vários shampoos feitos por mim e cheguei a uma conclusão que me está a fazer toda a diferença: decidi aplicar ao couro cabeludo o mesmo principio que aplico há anos no que toca à pele: não colocar aí nada que não seja possível comer.  Esta pesquisa culminou num não-shampoo, que eu gosto de chamar o Shampoo da Bruxa, que finalmente regulou o meu couro cabeludo, que andava irritado e dorido apesar de todos os cuidados. O sabão que inevitavelmente é presente mesmo no shampoo mais biológico e natural, irritava o meu couro cabeludo e provocava a queda e o enfraquecimento. Além disto, quando estava cansada, sentia imensa dor quando me tocava a raiz do cabelo.

Sei que é um pouco hard core para as meninas do shampoo da UltraSuave e afins, mas no meu caso o Shampoo da Bruxa funciona maravilhosamente e quero partilhar contigo. A receita dá para um batch de shampoo que me dura cerca de um mês no frigorífico, portanto não é preciso fazer cada vez que vou lavar o cabelo.

Aqui vai a receita do “Shampoo da Bruxa”

-Colocar a ferver 800ml de água com:

-1 colher de sopa de urtiga vulgar seca

-1 colher de sopa de alteia seca (se tiveres cabelo oleoso podes substituir por salva ou alecrim)

-1 colher de sopa de cavalinha seca

-4 colheres de sopa de sementes de linhaça inteiras 

-1 colher de chá de agar agar em pó (é um derivado de algas usado para fazer gelatinas vegetais. Fácil de encontrar nas ervanárias)

Quando chegar a fervura deixar fervilhar cerca de 10 minutos em lume brando, remexendo de vez em quando para não colar as sementes ao tacho.

Depois, coar antes que arrefeça: quando arrefecer, começa a solidificar e assumir textura de gel. Quando estiver morno, juntar 5-6 gotas de óleo essencial de mirra, que atua como conservante e além disso tem fantásticas virtudes cosméticas no cabelo; e mais 5-6 de óleo essencial de ylang ylang, conhecido remedio anti-queda. Em alternativa, podes usar o de lavanda, útil se houver prurido (outra coisa que acontece muito na perimenopausa). Em qualquer caso, os óleos essenciais darão também um cheiro agradável que se vai sobrepor ao “selvático” das ervas.

Aí, passar com um funil para um frasco de plástico daqueles tipo mel comercial, que dá para espremer, sabes? Podes usar também um frasco de shampoo vazio, devidamente enxaguado.

Agora, podemos guardar no frigorífico. O que não couber no frasco, usar logo para fazer o shampoo do momento ou então uma máscara de Amla em pó (uma planta medicinal indiana). É só fazer um “polme” com o pó de Amla e esta mistura bruxesca, distribuir uniformemente no cabelo previamente penteado, colocar uma toca e uma toalha à volta da cabeça e deixar atuar uns 20-30 minutos. Depois é enxaguar e pronto. Mais nada. Mesma coisa com o “shampoo” que está no frigorífico. Quando queres lavar o cabelo, é só distribuir no cabelo seco massageando bem o couro cabeludo, deixar atuar e enxaguar. 

Em ambos casos, pelo menos o último enxágue é com água fria (já agora, lê o livro Ice Man do Wim Hof, o holandês maluco que fala dos banhos gelados, e dá-lhe uma chance, vale a pena!). A água fria “fecha” o cabelo e torna-o mais brilhante. Se não quiseres tomar duche nem a última parte do duche frio, podes desviar o corpo e passar o chuveiro só pelo cabelo, ou então podes lavar o cabelo na banheira, com o corpo fora dela.

O cabelo fica com corpo e volume, fácil de moldar. Aproveita o calor que está a chegar para te acostumar a não usar o secador, ou então usa o secador na modalidade fria: o calor danifica o cabelo! Para não falar daqueles instrumentos de tortura que são as pranchas de engomar para cabelo (não sei como se chamam, mas percebeste). 

Ora, a primeira vez que usares podes sentir o cabelo esquisito e depois de secar, teres a impressão de que não está limpo. Pode demorar algum tempo a equilibrar o couro cabeludo mas entretanto, cada vez que sentires o cabelo assim, escova-o bem desde a raiz. Escovar ajuda a circulação sanguínea no couro cabeludo e distribui a gordura natural pelo cabelo todo. 

Se tens tendencia para cabelo oleoso, o facto de deixar de o agredir, vai-lhe permitir deixar de produzir sebo de rebound, A produção de sebo ficará mais regulada. Os suplementos acima mencionados ajudarão a fazer o resto.


Uma última reflexão:


O que me permite aceitar com maior serenidade os desafios da luta diária pela auto-aceitação e auto-amor, é saber que os passos que tomo para me ver mais bonita são os mesmos passos que me levam a ser mais saudável. Não posso dizer que nunca aconteceu, mas o meu compromisso é evitar voltar a atropelar o meu conforto, saúde e bem-estar para encaixar em padrões estéticos  alheios. Quero convidar-te a fazer o mesmo.

Sejamos árvores com a nossa melhor copa possível, livres e indómitas. Se somos oliveiras, não tentemos ser carvalhos, nem vice-versa.

Aguardo tuas notícias, quero saber como te corre isto tudo.


Com amor,

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